top of page
Buscar

Empresária reivindica posse de mais de 80% das terras de Jericoacoara após 40 anos, gerando debate sobre patrimônio público e paraíso turístico

  • Foto do escritor: Cleide Magalhães Lafetá
    Cleide Magalhães Lafetá
  • 19 de out. de 2024
  • 6 min de leitura

PGE negocia transferir terras não ocupadas para empresária, que apresenta documento de posse datado de 1983. Moradores cobram transparência em acordo sobre áreas da vila e temem prejuízos à paisagem


Paraíso turístico e um dos mais cobiçados (e concorridos) destinos no Nordeste brasileiro, a Vila de Jericoacoara, no litoral do Ceará, se viu colocada no centro de uma disputa depois que uma empresária apresentou um documento dizendo-se proprietária de nada menos que 80% daquelas terras.


O que a empresária alega? Iracema Correia São Tiago afirma que a vila fica quase toda dentro de uma de duas imensas áreas reivindicadas por ela (veja o infográfico abaixo). A mulher diz que, em 1983, seu então marido, José Maria de Morais Machado, adquiriu três terrenos na região (totalizando 714,2 hectares): um deles pertencia à companhia Florestal Sobral LTDA; o outro, a um casal que morava na região; e o terceiro, a um morador local. Os três terrenos deram origem à fazenda Junco I.


▶️O que diz a escritura apresentada? A escritura pública aponta a compra dos terrenos, com situação regularizada conforme Certificado de Cadastro de Imóvel Rural.


▶️ Quantos hectares de Jericoacoara estariam nesse terreno supostamente particular? Dos 88,2 hectares que correspondem à vila, 73,5 (ou 83% do total) estariam na área que pertenceria à empresária.


▶️ Qual é a atual situação da Vila de Jericoacoara? A vila fica no município de Jijoca de Jericoacoara e é uma área arrecadada. Isso quer dizer que ela foi incorporada ao patrimônio público, uma vez que não havia sido localizado um proprietário com escritura pública. O processo de regularização fundiária começou em 1995 e concluiu-se em outubro de 1997. No início, a vila tinha 55,3 hectares. Hoje, são 88,2.


▶️ O que a empresária pediu? Em julho de 2023, Iracema apresentou a escritura ao Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace). Inicialmente, o ofício foi entregue como uma proposta de conciliação, segundo a qual Iracema cederia ao estado as áreas que estivessem tituladas a terceiros até dezembro de 2022. Isso correspondia a 55,3 hectares (cerca de 62% da área de Jericoacoara). O restante deveria ser excluído da matrícula da vila, ou seja, devolvido à empresária.


▶️ Qual foi a contraproposta? Em resposta, o Idace propôs que toda a área da Vila de Jericoacoara continuasse dentro da matrícula do estado. A defesa de Iracema não aceitou. Em agosto de 2023, o Idace encaminhou o caso à Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE), que tem atribuição legal de defender direitos e interesses sobre o patrimônio imobiliário do Ceará. Recentemente, o órgão emitiu um parecer oficial apontando a escritura como legítima.


▶️ Qual foi o parecer da procuradoria? Segundo a PGE-CE, o estado é obrigado a reconhecer a propriedade da empresária. Em nota, o órgão diz: "Ficou comprovado, à vista de documentos oficiais, que, na matrícula arrecadada referente à Vila de Jericoacoara, havia um registro anterior de propriedade abrangendo praticamente toda a Vila”

.

▶️ Qual foi a decisão da PGE? A PGE está tentando negociar um acordo extrajudicial, instrumento utilizado quando duas partes de um conflito negociam a resolução do problema de modo consensual e sem recorrer a um tribunal.


▶️ O que o acordo extrajudicial prevê? Que a empresária renuncie às áreas ocupadas por moradores ou construções, preservando também vias e acessos locais; por outro lado, seriam repassados a ela terrenos não ocupados e que ainda estão em nome do estado. Nenhum título foi emitido em nome de Iracema. Atualmente, o detalhamento sobre os terrenos a serem desmembrados da vila está em fase de estudos.


▶️ O que a PGE argumenta? Em nota, a Procuradoria-Geral afirma que conduziu um acordo que protege as famílias que trabalham e residem na região. Segundo o órgão, caso toda a área reconhecida fosse retirada da matrícula do estado, residentes e comerciantes locais poderiam ser obrigados judicialmente a sair de suas casas e estabelecimentos.


▶️ O que dizem moradores da região? disseram que ficaram sabendo do processo há menos de uma semana. Eles alegam estar surpresos com a negociação sobre áreas públicas da vila e temem prejuízos à paisagem e à preservação do lugar. Temem ainda que sejam erguidas novas construções em áreas verdes e em locais que hoje compõem a paisagem local. No domingo (13), eles fizeram um protesto.


“Nós temos os nossos bosques, que são abertos, que são cuidados pelas pousadas, mas são abertos para a população, para os turistas”, afirma Lucimar Marques, presidente do Conselho Comunitário de Jericoacoara.


▶️ O que é o Parque Nacional de Jericoacoara? O parque tem uma área de 8.863 hectares e atualmente é administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do governo federal responsável pela gestão de unidades ambientais. o ICMBio informou que sabe do caso e que vem acompanhando informações repassadas pelo Conselho Comunitário de Jericoacoara.


▶️ A vila faz parte do parque? Não. Segundo o ICMBio, a vila turística fica fora do território do Parque Nacional de Jericoacoara e faz parte da área urbana do município de Jijoca de Jericoacoara.


Em nota, os advogados de Iracema Correia São Tiago informaram que ela "não tem interesse em interferir na rotina da Vila e que o acordo formalizado com o Governo do Ceará, através da Procuradoria Geral do Estado (PGE), prevê, inclusive, a renúncia às áreas que, mesmo dentro da sua propriedade, estão ocupadas, de forma a manter as moradias e empreendimentos já consolidados."


"A proprietária, buscando uma conciliação, deu entrada em um processo no Idace, propondo receber as áreas remanescentes e renunciar às demais áreas. O processo foi remetido para a PGE, tramitando por diversos setores técnicos, inclusive com a realização de vistorias, e então foi formalizado acordo com o Estado. Assim, o acordo firmado retira a insegurança jurídica do assunto, visto que evita o questionamento judicial quanto aos atuais empreendedores e moradores da Vila. Além disso, por meio do acordo firmado, várias áreas foram asseguradas ao Poder Público e em favor do bem-estar da comunidade."


Detalhes do terreno alegado pela empresária


Após mudanças nos serviços de cartórios da região, a matrícula de três terrenos indicados no documento apresentado por Iracema foi unificada. Passou, então, a considerar uma matrícula única para todas as áreas, referindo-se a uma só propriedade, chamada Fazenda Junco I. É dentro dela que fica a Vila de Jericoacoara.


Com esta unificação e após levantamento topográfico, a Junco I passou a ter um total de 924,4 hectares. O processo não aponta justificativa pelo o fato de a área do terreno ter aumentado após a unificação das matrículas.


Segundo a PGE-CE, é comum que a unificação de matrículas aumente ou reduza áreas do território. Isso porque, por meio da unificação, pode haver ajuste da área do imóvel caso se mostre necessário na apresentação da planta. Um exemplo é quando parte do imóvel cortava uma estrada que deixou de existir depois de um tempo.


Veja, abaixo, detalhes sobre a propriedade Junco I:


As terras foram compradas pelo ex-marido da empresária. O casal se divorciou em 1995, e a empresária ficou com as terras na partilha dos bens.


  • À época da compra, as terras totalizavam 714,28 hectares. O valor total pago pelos três imóveis, que depois viraram a Fazenda Junco I, foi de 620 mil cruzeiros.


  • A Fazenda Junco I, agora com um total de 924,4 hectares, se estende na porção Norte do município de Jijoca de Jericoacoara, com áreas que se sobrepõem ao Parque Nacional de Jericoacoara e à Vila de Jericoacoara.


  • A porção do imóvel que se sobrepõe à vila é de 73,5 hectares, correspondendo a cerca de 83% do que hoje é a vila (que tem 88,2 hectares).


  • Iracema tem outra fazenda na mesma região. Elas estão fora da Vila de Jericoacoara, mas ficam dentro do parque nacional.


  • Outros dois terrenos no interior do parque formam uma só fazenda, chamada de Caiçara, que pertence a uma empresa privada.


As duas propriedades de Iracema estão inseridas no Parque Nacional de Jericoacoara (linha verde na imagem acima). Apenas a Fazenda Junco I se sobrepõe à Vila de Jericoacoara.



Nos documentos do atual acordo entre PGE-CE e a empresária Iracema Correia, existe também a informação de que, em agosto de 2022, o ICMBio abriu processo administrativo para que o Idace verificasse a matrícula dos terrenos Junco I, Junco II (também reivindicada por Iracema) e Caiçara como possíveis terrenos com sobreposição ao Parque Nacional de Jericoacoara. A situação foi confirmada em verificação do Idace.



O leilão aconteceu em São Paulo, e o vencedor foi o Consórcio Dunas.

O governador do Ceará, Elmano de Freitas, informou que a previsão de investimentos é de cerca de R$ 116 milhões em infraestrutura, além da aplicação de R$ 990 milhões em operação e gestão ao longo do contrato, que é de 30 anos.

 
 
 

Comments


bottom of page